quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Intermitências da morte

Sempre achei que devíamos ser avisados antes de morrer. Não para resolver todos os assuntos pendentes ou tratar da herança, mas sim para nos despedirmos das pessoas.
Os funerais e velórios deviam ser então, em vez de um momento de choro flores e tédio perante um morto, um momento de despedida em que dizíamos tudo, dávamos um abraço e dizíamos "obrigada pela boleia", "gostei de te conhecer", "obrigada por teres sido quem foste".
Acho que a morte seria então encarada com mais naturalidade, talvez mais saudade, mas pelo menos ninguém mais ficaria com tudo aquilo engasgado na garganta: o agradecimento que não pode fazer, a confissão que vai ter de guardar e o silêncio que o separa da pessoa que morreu. Creio que é isso que nos faz sentir tão desconfortáveis num velório: ficamos estupefactos e calados perante alguém a quem temos tanta coisa para dizer, numa ilusão de que ainda há tempo porque o corpo ainda está ali, mas já é tarde de mais.

Na eminência, vou visitá-la esta tarde, dar-lhe um beijinho e fazê-la sentir que gostei de a conhecer. Era isto que devíamos poder fazer sempre.