terça-feira, 19 de outubro de 2004

Um bilhete entre quatro mãos húmidas num dia de inverno como hoje, ou como ontem, ou como amanhã

Debaixo das mãos molhadas que seguram o guarda chuva, bem lá no meio entre a pele dos dedos e a humidade que estes apanharam enquanto tirava o dinheiro para o bilhete do autocarro, estava um outro bilhete.
Recebeu-o só mesmo na hora da despedida, um adeus rápido, dois beijinhos que queriam ser mais do que isso, mas que mal chegaram a ser o que eram, e um bilhete entre duas mãos (que na altura eram quatro) bem apertadas na fuga.
Talvez dissesse tudo o que queria ouvir. Talvez mentiras. O que queria. Que outra coisa interessava se tinha na mão um bilhete onde poderiam estar escritas exactamente as palavras deusas, exactamente a luz que faltava naquele dia de inverno frio chuvoso em que o céu pode desabar de tão negro e pesado a qualquer momento?!
Fosse o que fosse nunca o chegou a saber.
A caneta era de tinta permanente, o bilhete foi escrito em papel tipo mata-borrão, qualquer uma das quatro mãos estava molhada... e do bilhete não se percebia nada!